- Sensei! – Breno chamou, em voz alta. Ia chamar de novo, quando a porta corrediça a sua direita abriu, por ela surgindo uma figura miúda.
- Boa-tarde, Breno.
A figura do Sensei unia opostos extremos numa curiosa sintonia. Era sem dúvidas homem de muita idade, mas baixa estatura. O cabelo cinza-grisalho descia pelas costas como uma suntuosa cascata prateada, as sobrancelhas finas e longas lembravam a bigodeira espichada de um gato.
- Posso saber para que veio?
- Vim treinar. – Breno falou, abrindo um espontâneo sorriso.
- É impaciente, jovem Breno. – Diz o velho com voz de análise. – A pressa em querer se tornar forte pode ser caminho para uma queda sem-volta. Se bem que a pressa costuma ser própria dos jovens.
- Peço desculpas. – Breno sorri, numa encenação medíocre de modéstia. – Não nego meu estado ansioso e creio eu ser vítima disso. O senhor pode compreender. No próximo ano...
- Ah – O velho franze a testa, arqueando as espichadas sobrancelhas. – O ciclo se completará. Você deixará de ser meu aluno e passará a ser – fez uma pausa, fingindo esquecimento. – O que mesmo?
- Mestre do Estilo Leopardo. – Breno diz, à falsa modéstia mais pronunciada.
- Sim, isso mesmo. Você se tornará Mestre. Um título que exigirá disciplina e lucidez.
- Estou preparado. – Com isso Breno abandona de vez a falsa modéstia, esbanjando total confiança. – Não querendo me gabar, não creio que exista quem possa comigo, claro, com exceção do senhor, Sensei.
O velho mantém o ar observador em Breno.
- É direito de todo homem achar-se invencível, até que surja outro que o desminta. Creia, o poder não é o atributo mais importante aos mestres. Seus ensinamentos são o que realmente conta.
- Os mestres podem mostrar ensinamento através do poder.
Breno foi infeliz no argumento, algo nítido pela cara do Sensei.
- Lamento que pense assim, Breno. A paixão pelo poder é algo que desencorajo e previno. A busca por poder corrompe as virtudes e extingui o cerne. Talvez, no devido tempo, perceba e compreenda o erro que hoje o cega.
O largo sorriso orgulhoso de Breno encolheu, reduzido a um sorriso sem-graça quando perguntou:
- O senhor não vai me treinar?
O velho Sensei baixou a cabeça, respondendo um "não" pesaroso.
Breno o questiona:
- Por que, Sensei, por que não me treina agora? É tão errado querer ser forte?
- Breno – O Sensei tenta explicar, usando a sabedoria adquirida em um século de vida. – não tenha pressa em querer ser uma coisa que lhe falta maturidade. Contente-se em saber a razão pela qual não o treinarei é que, como você, há outros também querendo aprender. Não seria justo para com eles, eu dar exclusividade a você e seu treinamento.
- Então – Breno conclui. – O senhor tem alguém especial, é isso? – Perguntou, agora não mais sorrindo, a voz deixando transpassar o sentimento de um filho traído.
- Nunca tive predileção por ninguém, você sabe. Todos têm igual valor para mim.
As palavras do velho Sensei enfurecem Breno que esbraveja:
- Não diga que somos todos iguais porque não é verdade! É uma piada de mau-gosto! Negar minha genialidade seria hipocrisia, isso nós dois sabemos! Não sou igual os lerdos daqui, sou melhor!! Isso nem o senhor nem ninguém podem negar!!
Silêncio. Breno emudece, tão surpreso com o que disse quanto o velho Sensei ao ouvir.
- Como você ousa falar com o mestre nesse tom? Baixa à bola que você não tem moral pra tanto.
Breno não previu que pudesse haver mais gente além do Sensei.
Quatro jovens surgem na porta, atrás do Sensei. Breno os conhecia. Três eram alunos do primeiro ano, da turma do período da manhã. Iniciantes, na linguagem informal usada pelos veteranos do dojo, Filhotes.
Mas é o mais velho dos quatro, o que falou, que Breno não desvia o olhar.
Devia ter quase a mesma idade de Breno, que sempre que o via tinha a impressão de olhar para uma estátua viva de gesso. Isso porque os cabelos e pele eram brancos.
Ele passou pelo velho Sensei, parando bem frente a Breno.
- Que faz aqui, Leuco? – Breno perguntou, antipático.
- Não que seja da sua conta – Leuco rebateu no mesmo tom. – O Sensei pediu nossa ajuda para arrumar a sala que usamos na festinha de fim de ano que fizemos semana passada. Tava na outra sala quando teu papo me interessou. Vem cá, ta se baseando em que pra dizer que é melhor que todo mundo aqui? Ok, você foi escolhido pra representa o dojo na Confederação de Artes-Marciais 2009, ganhou primeiro lugar e tals... Mas isso não torna você melhor que ninguém não. A não ser que aja uma competição de Nariz mais empinado. Ai você nos deixaria no chinelo.
O olho direito de Breno tremeu num tique nervoso.
- Também faria gracinhas se tivesse um talento medíocre igual o seu, seu porra louca. Como não tenho, posso aturar piadas de gente invejosa. – Disse, destilando um sarcasmo venenoso.
Agora o olho de Leuco tremelicou. Um amarelo clara-de-ovo lhe cora o rosto, como reação a ofensa. Encarava Breno com visível vontade de bater nele. Breno notou porque acrescentou:
- Não fique no querer, faça o que tem vontade. Mas o previno de que sua ação corresponderá a uma reação.
A coloração enigmática se intensifica.
- Você não vale nada. – Diz Leuco, colocando nas palavras a força dos punhos reprimidos.
E um novo e prolongado silêncio preenche o ambiente, enquanto Breno e Leuco se encaravam, os rostos a distância de um punho. Contudo, Breno opta nada fazer. Deu as costas a Leuco e foi-se em direção à porta, detendo-se para dar um último recado:
- Fique com o porra louca e os outros insignificantes! A partir de hoje, não sou mais seu aluno! – E saiu, batendo com força a porta.