Irmãos

Um dia depois...

O relógio de cozinha marcava oito e quinze quando Raiden entrou. Não tinha um motivo, e parecia à procura de um. Abriu a geladeira e tirou a combuca do pernil da ceia. Colocou-o sobre a mesa e ficou olhando, decidindo o que fazer. Foi ao armarinho embaixo da pia, abriu a primeira gaveta e tirou garfo e faca. Depois pegou o saco de pão-de-forma, sobre a geladeira.

Não tinha exatamente fome. Cortou uma fatia fina de pernil e então parou, os ouvidos atentos ao som de chuveiro ligado vindo dos fundos do corredor. Logo mais a irmã sairia para juntar-se às demais voluntárias da ONG “Pequenos Tesouros” onde visitariam crianças carentes. Raiden esperava ter a chance de discutir algumas questões.

O relacionamento entre Raiden e Letícia aparentava normalidade. Aos olhos de quem via, os dois eram ótimos filhos para com a mãe inválida, ajudando nas tarefas de casa. Eram unidos. Talvez unidos demais. Nesse ponto, Raiden pensa; sentia pela irmã amor fraterno, ou amor de outro tipo? Um amor do tipo proibido, um tabu moral. Porque às vezes, quando sozinhos, reconhecia um flerte de ambas às partes. Seria sua imaginação, uma brincadeira desprovida de malícia, ou sentimentos genuínos aflorando? 

Dali a pouco, Letícia aparece. Linda como sempre; o cabelo solto de mechas californianas, os olhos, a boca. Deus, que boca perfeita. Da cor dum botão-de-rosa.

- Que foi? – A irmã pergunta com sorriso sem-graça. 

- Nada. – Raiden se vira, continuando a fatiar o pernil.

Letícia chega perto e rouba um pedacinho da carne.

- Letícia – Principiou Raiden.

A irmã fez “Hum” indicando prestar atenção.

- Letícia... bom, queria conversar.

- Sobre o quê? 

- Ah, sobre a gente. 

Letícia olhou Raiden de um jeito que fez o irmão querer se enterrar no chão da cozinha.

- Que você quer falar sobre a gente? – A garota claramente se fazia de desentendida.

Raiden se sentia bobo. Queria poder dizer tudo, mas não de forma tão explicita. Pela janela da cozinha viu um mini-ônibus estacionar. A carona da irmã chegara.

- Podemos conversar à tarde. – Diz Letícia, chegando mais perto.

- Hum, ok. – Raiden concorda, não escondendo a frustração.

- Ta, então, tchau – Letícia se inclinou e rouba um beijo do irmão. 

Raiden só teve tempo de ver Letícia lhe sorrir antes de tomar o caminho da porta. 
 
Um beijo. Um beijo de boca entre irmãos. Raiden treme de nervosismo e excitação.




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