O Natal de cada um - Família Ferreira

- Eeh, feliz natal!! – Leuco exclamou jubiloso, abraçando a mãe com entusiasmo. 

Raiden e Letícia também trocam abraços. Ah, como é bom dar e receber abraço. Raiden gostava da sensação quente que o corpo da irmã transmitia. Gostava de senti-la fisicamente; seu cheiro, o volume dos seios através da blusa. Novamente Raiden e Letícia tornam a se afastar, confusos, envergonhados. A comemoração deve tê-los empolgados.

A família está reunida na cozinha, sentada ao redor de uma mesa farta. Tudo tinha uma aparência deliciosa e cheirava otimamente. Letícia podia se orgulhar. Aprendeu bem á profissão de cozinheira – aos quinze anos para ser preciso, época em que a doença da mãe começou a se manifestar. Linda não comeria nada daquilo. Com a maioria dos músculos da boca paralisados, não conseguia mastigar alimentos sólidos. Só consumia líquidos. A comida – arroz, farofa com azeitonas verdes e uva-passa, salada de batatas com rodelas de ovo cozido, pernil – Letícia, Raiden e Leuco comeriam, principalmente os irmãos que tinham apetite de leão.

Antes do atual estado catatônico de Linda, os irmãos de Letícia demonstravam extraordinárias aptidões. Certa vez, Raiden salvou o gato da vizinha de ser estraçalhado por uma pitbull briguenta, pulando um muro de quatro metros de altura. Noutra ocasião, Leuco atravessava a faixa de pedestres, de mãos dadas com a mãe, quando um caminhão desgovernado veio em sua direção. Nenhuma das pessoas presentes entendeu como um garotinho de apenas dez anos e sua mãe conseguiram sair ilesos de um acidente potencialmente fatal. A cabine do caminhão ficou totalmente estrafegada. Por sorte, o motorista nada sofrera.

Na época, Linda chegou a proibi-los de mostrar seus dons em público, em parte com medo de que a população os hostilizasse e em parte, que surgissem aproveitadores. Tudo teria acabado não fosse Sensei ter testemunhado as incomuns habilidades dos dois – na ocasião Raiden e Leuco voltavam da escola, apostando quem chegaria primeiro em casa, correndo feito galgos. Não teve dúvidas: falou com Linda e prometeu que ensinaria os meninos a usar o poder que tinham. Desde então, oito anos se passaram, e a família continuou unida, tendo o trio de irmãos crescido e se tornado adolescente.

A conversa continua na sala. Havia uma porção de fotografias da família, retratando o que foi a melhor das épocas. Leuco parecia um boneco de marshmellow, o cabelo de Raiden já era branco espevitado. Letícia parecia uma bonequinha enquanto Linda ainda era uma mulher saudável. Curiosamente, em nenhuma foto vê-se a presença de uma figura paterna.

Havia quatro pequenos embrulhos embaixo do pinheirinho de natal. Letícia pega dois, Raiden e Leuco apanham cada um o seu, se sentando para desembrulhá-los. Letícia ganhara uma presilha em forma de lírio, Raiden uma pulseira, Leuco um crucifico, e Linda um porta-retratado, com a foto dos filhos acompanhado dum bilhete que dizia “Amamos a Senhora!”.

Todos foram dormir pouco depois. Raiden e Leuco Dividiam o mesmo quarto, dormindo em um beliche – Raiden embaixo e Leuco encima.

- Conta, que aconteceu lá no dojo? – Raiden perguntou, abrindo a gaveta da cômoda para tirar o pijama.

Leuco, que estava de costas, guardando a roupa encabidada no guarda-roupa, retrucou emburrado:

- Não aconteceu nada, por que é tão difícil acreditar no que digo?

- Tenho credito por ser seu irmão e sei quando você ta mentindo.

Leuco fez cara emburrada.

- De você não dá pra esconder nada, é pior que a CIA. – Disse, fechando a porta do guarda-roupa. – Ta legal. Lembra que eu disse que Breno agiria de forma estúpida? Então, aconteceu hoje. Ele saiu do dojo.

Raiden fica boquiaberto.

- Ele deixou o dojo? Por quê?

- Porque é um idiota, oras.

- E o Sensei, como reagiu?

- Ficou bem chateado.

- Breno não tem noção das decisões que toma. Vou falar com ele e...

- Não, nem tenta. Eu e ele nos estranhamos lá no dojo, quase saímos na porrada. 

- A coisa chegou a esse ponto?

- É aquela velha história – Leuco apoiou as mãos na barra do beliche de cima, firmou um dos pés no beliche de baixo, pegou impulso e subiu. – “Sou o fodão, melhor que todo mundo, todos são uns coitados, blá, blá, blá”. – Leuco parecia um peixe se debatendo na linha do anzol. Todo beliche tremia enquanto procurava a posição confortável.

- Seria uma boa falarmos com o Sensei.

Leuco não responde. Raiden sabia a facilidade que o irmão tinha em pegar no sono. Apagou a luz do abajur os olhos abertos no escuro, esperando o sono chegar. Pensava, entre outras coisas, em tudo que foi dito. Mas principalmente, como o abraço da irmã o fez sentir-se tão bem.




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